A qualidade do ensino
depende menos de Brasília do que de prefeitos comprometidos: com base nessa
premissa, um novo prêmio destaca os municípios que promoveram avanços
extraordinários em sua rede de escolas. O primeiro vencedor é Brejo Santo, no
Ceará.
Localizada aos pés da Chapada do Araripe, a
521 quilômetros de Fortaleza, Brejo Santo é uma cidade bem brasileira. Com
pouco menos de 50 000 habitantes, situação de quase 90% dos municípios do país,
ela ostenta IDH pouco inferior à média nacional e renda por habitante quase 70%
menor. Poderia repetir também os péssimos resultados da educação brasileira,
mas vem conseguindo escapar ao destino. No Ideb de 2013, índice do governo
federal que combina taxas de evasão e repetência com desempenho escolar no nível
fundamental, a cidade exibe nota 7,2 - a média brasileira é 5,2. Em uma das
unidades locais de ensino, a Escola Maria Leite de Araujo, a presença de
galinhas no pátio de terra batida não permite suspeitar de uma nota invejável:
9,2. O curioso é que, até 2009, a cidade cearense era ainda mais parecida com o
Brasil. Cerca de 70% dos alunos não aprendiam o esperado em português e
matemática. De lá para cá, a rede de ensino vem registrando avanços seguidos.
Em 2013, finalmente, virou o jogo: 72% dos estudantes do 5º ano atingiram o
patamar adequado de aprendizagem em matemática, por exemplo, taxa que chegou a
impressionantes 100% na Maria Leite de Araujo. O índice brasileiro é 32%.
O que faz da cidade uma referência de
qualidade é uma política pouco pautada por invencionices e muito apoiada em
eficiência, meritocracia e equidade. No dia a dia, isso se traduz em práticas
eficazes em sala de aula, avaliação e premiação de professores e garantia de
que todos os alunos recebem o mesmo ensino. "Coloquei a educação no centro
do meu projeto político, porque sei que isso terá impacto nos demais setores na
vida local", explica o prefeito Guilherme Sampaio Landim (PSB). Pelo
serviço, o jovem médico de 29 anos receberá na semana que vem, em cerimônia em
São Paulo, o Prêmio Prefeito Nota 10, promovido pela primeira vez pelo
Instituto Alfa e Beto (IAB). O prefeito vencedor ganha 200 000 reais.
O objetivo do Prefeito Nota 10 é identificar
a rede municipal de ensino com melhor desempenho na Prova Brasil, exame federal
que avalia estudantes de 5º e 9º anos do ensino público e que compõe o Ideb.
Concorriam ao prêmio somente cidades com mais de 20 000 habitantes em que ao
menos 80% dos alunos tivessem participado da Prova Brasil. Desses, 70% tinham
de provar que sabiam o que se esperava deles. Nenhuma cidade, nem mesmo Brejo
Santo, preencheu esse último critério. O IAB chegou então a doze municípios com
resultados destacados e apontou os melhores em cada região do Brasil. Na Região
Norte, infelizmente, nenhum município atingiu os índices necessários.
Reconhecendo a cidade com melhor média, o
prêmio retira dos holofotes administrações que mantêm escolas-modelo, mas não
replicam a qualidade desses centros de excelência em toda a rede. "A
qualidade do ensino de nossas crianças depende menos de Brasília do que de
municípios e de prefeitos comprometidos", diz o educador João Batista
Araujo e Oliveira, presidente do IAB. De fato: 54,7% dos quase 30 milhões de
alunos do ensino fundamental brasileiro estudam em unidades municipais. "O
prêmio quer identificar quem consegue fazer um grande trabalho em escala,
levando qualidade a todas as escolas que administra", acrescenta Oliveira.
A receita de Brejo Santo não tem lugar para
ingredientes exóticos. "Fazemos feijão com arroz benfeito todos os
dias", diz Ana Jacqueline Braga Mendes, secretária de Educação. O cardápio
inclui regras rígidas para alunos e professores. Os 11 771 estudantes têm dever
de casa. Se um deles falta, a escola entra em contato com sua família.
"Isso reduziu drasticamente o abandono", diz a secretária. O prefeito
também mexeu em leis e recorreu a medidas inicialmente consideradas
impopulares. Unidades que mantinham as chamadas classes multisseriadas, em
cujos bancos se sentavam lado a lado crianças de 7 a 12 anos, foram fechadas, e
os alunos, transferidos para locais mais distantes, porém estruturados.
Professores, por sua vez, passaram a ser avaliados, e aqueles que não
demonstraram bons resultados foram retirados das salas de aula: parte foi
demitida, parte assumiu funções administrativas. Com os melhores em sala de
aula, a prefeitura aumentou os salários. O piso inicial é de 2 673 reais,
diante do salário mínimo de 1 917,78 reais estabelecido pelo Ministério da
Educação.
Brejo Santo faz um grande trabalho. Porém, há
muito que avançar. Embora mantenha a melhor rede municipal do país, a cidade
ainda não chegou ao marco de 70% das crianças com conhecimento adequado à série
em que estudam. O caminho, no entanto, está traçado.
Texto: Bianca Bibiano, de Brejo Santo
Fonte: Revista Veja, 18/04/2015